quarta-feira, 29 de agosto de 2007

O tempo



Quando a procura de um lugar,
de um espaço existencial
se transforma num objectivo
de vida
é como se esta
não fizesse sentido
em si mesma,
é como se esta
corresse em paralelo
com a própria vida
vivida todos os dias

O tempo passa,
encurta a existência…
e
a memória
é prova de que?
Dos tempos vividos
ou
dos momentos perdidos?

Onde estará a neblina?
no tempo passado,
ou
no tempo futuro?

Se está no passado:
é
como se a história
não tivesse
acontecido

Se está no futuro:
é
como se a esperança
se perdesse
na insegurança
do tempo de viver

O que fazer do tempo de agora?
- saboreá-lo,
como
se o amanhã não existisse…

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Cores da vida



Quando penso azul e
brinco em cor-de-rosa
sonho em branco
com o sorriso amarelo
sinceramente vermelho
no peito negro
de fundo cinzento
com o verde ao centro
do meu cérebro descorado
pelo desejo incolor
da fonte transparente
reflectida no lilás
das pupilas incandescentes
dos teus olhos cor-de-nada
principio imaculado
da cor-da-nossa-vida

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Dimensões relativas



Tudo na vida é relativo
exceto que
tudo na vida é relativo
até por que
a própria vida é relativa
tendo em conta que
estar vivo, também, é relativo

Desejo














Doem-me os olhos
de não ver e
a alma de
não sentir


Cada grito mudo
é como um corte
na existência
como se
menos houvesse
para viver


Tenho saudades
do sentimento
que poderia
ter acontecido
soluça ainda na memória
o desejo de ter vivido

sexta-feira, 24 de agosto de 2007











Ergue a taça do mistério
revê todos os critérios
o conhecimento não importa
deixa aberta a tua porta
ao desconhecido em cada tempo
aí estará o teu contentamento
na descoberta de cada dia
na vivência do que não havia...

O medo

Claramente o óbvio
expressamente o vazio
usado para preenchimento
o nada assume o todo
a inutilidade tornada útil
ao interesse
de alguns sem interesse

O medo do risco
atravessa a mediocridade
da passividade
a calma da ausência
precede a presença do sonho
a satisfação de quem não sente
é o sono profundo

Entre...

Entre os olhos
um espaço de isenção
ou de inacção
ou de indiferença
ou de interacção

Entre o preto e o branco
o certo e o errado
a esquerda e a direita
o ganho e a perda
o espaço e a fronteira

O que fará sentido?

As lágrimas escorrem dos meus olhos
como uma fonte de saudades
passadas e futuras
cujo sentido está
numa existência imaginada
no pulsar da massa branca
na confusão emocional
dentro do ventre
da mãe do esquecimento

A dor que sinto
ao não sentir
a impotância
do que, verdadeiramente,
faz sentido...

O que importa


Para tudo que importa
eu abro uma porta
imposta aos homens
de boa vontade

Óbidos

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Fragmentos

Um peso nos olhos
Um brilho lunar
Um estranho sinal
Um sonho calado
Um toque a despertar
Um canto de encontro
Um sono sem repouso
Um som sem retorno
Um orgasmo mudo
Um silêncio revelador
Um momento para falar
Um segundo para pensar
Um decisivo regresso
Um lugar para morrer
Um denominador comum
Um mínimo divisor
Um punhal decidido
Um parâmetro impossível
Um ilusório sentido
Um divagar sem destino
Um estranho ao relento
Um sentimento fora de tempo
Um deslocado argumento
Um difícil testamento
Um grito adiado
Um retorno sem glória
Um homem sem memoria
Um passado forjado
Um desejo furtado
Um presente esquecido
Um cavalo sem crina
Um grande inventário
Um pequeno mistério
Um ponto final.

Uma ilusão divina


segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Outros tempos

Cantar as agonias
dos tempos
de agora
como serenatas
ruidosas ao luar

É assim a música
do momento
só do momento
sem sentimento
do tempo
em que o tempo
não conta

Cantar o sentir
da música intemporal
é viver momentos
mais que momentos
é viver sentimentos
e deles fazer
o tempo real

Sonhos a sério

Leve os sonhos a sério - sussurou.- Nada é tão verdadeiro que não mereça ser inventado.

José Eduardo Agualusa
in As mulheres do meu pai